Em Escrita Criativa, existe uma máxima conhecida como “Mostre, não conte” (em inglês, “Show, don’t tell!”). A ideia básica por trás do conceito é bem simples: ao invés de descrever ao leitor os acontecimentos, mostre como os personagens (ou o mundo) estão agindo e reagindo. Dessa forma você deixa sua história mais engajante e seus personagens mais ativos, além de aproximar o leitor da cena e mantê-lo imerso na trama.
O problema é que é mais fácil falar do que fazer. Quando digo que o leitor deve estar presenciando a cena, a intenção não é que você deva descrever cada objeto e ato em mínimos detalhes, mas dar um senso de proximidade. Mais importante do que detalhes específicos, a ideia é manter o leitor aterrado enquanto conta a história.
Vamos tentar um exemplo:
As luzes se apagaram quando João viu o monstro saindo do quarto. Ele se assustou e saiu correndo.
<figcaption id="caption-attachment-300" class="wp-caption-text">Eu sei, é um ármario</figcaption></figure>
Embora seja entediante, tanto eu quanto você estamos imaginando a mesma coisa: uma pessoa presenciando um monstro saindo do quarto e então fugindo, portanto não há problema na descrição ou no entendimento. O problema está na narrativa.
Você não está vendo o que João está vendo, nem sentindo o que o personagem sente. “Ele se assustou” dá apenas uma vaga noção de que ele se sobressaltou e saiu correndo. Mas o quão grave foi o sobressalto? Quão abismado ele ficou com o encontro? Como é o monstro? Se eu estivesse lá, teria me assustado também?
Novamente, a ideia não é incentivar a descrever tudo nos mínimos detalhes, mas aproximar o leitor da cena. Vamos tentar contar menos e mostrar mais.
“Porcaria de luz” pensou João enquanto as lâmpadas piscavam por toda a casa.
Ele saiu de seu quarto em meio a uma brisa fria, que o pegara desprevenido, pois as janelas ainda estavam fechadas, e foi em direção a cozinha, com as luzes piscando sem fim. Fuçou um pouco no armarinho e encontrou a velha lanterna amarela e gasta, que veio familiar a sua mão.
As luzes agora ficavam mais apagadas do que acesas.
“Vai acabar queimando minha TV” ele praguejou, mas seus pensamentos foram interrompidos por um cheiro de carne podre no ar. Era um cheiro familiar, embora não soubesse ao certo de onde se lembrava.
Tudo ocorreu de uma vez. A lembrança de onde já havia sentido o cheiro, a queda total da luz e a criatura saindo pela porta do quarto. Ela possuía o corpo todo peludo, e quatro tentáculos saindo da cabeça. Os braços eram longos como os de um gorila, e os dentes pontudos e afiados como os de um gato. Os olhos demonstravam alguma inteligência.
Com um grito de terror e os pelos da espinha arrepiados, João deu meia volta e saiu em direção a entrada.
“Não, de novo não!” foi o pensamento que teve ao bater a porta da rua atrás de si.
<figcaption id="caption-attachment-301" class="wp-caption-text">“Mas Rubem, é um ármario”… EU SEI!</figcaption></figure>
Veja que, como na primeira narração, nós temos a mesma cena na cabeça. Uma pessoa vendo um monstro saindo de seu quarto e fugindo, só que dessa vez há mais proximidade. Embora eu tenha usado muito mais palavras para descrever a mesma coisa, a leitura é menos cansativa e mais entretida, bem como a identificação do leitor com João. E também foi possível adicionar um novo elemento de reconhecimento. João já vira essa criatura antes? O que ele quis dizer com “de novo não”?
Por mais que o leitor não faça essas perguntas de maneira direta, são essas trocas que vão alimentar as curiosidades e a vontade de continuar a ler a história. Essa é outra vantagem da técnica de Mostrar ao invés de Dizer. É possível manter a narrativa em ritmo constante e indicar os próximos passos do enredo, tudo de uma única vez em uma única cena.
Um outro ganho ao usar essa técnica é a definição clara do clima da cena. Repare que, para o leitor, fica claro que há algo estranho: as luzes piscando, uma brisa estranha no ar… porém, até João sentir o cheiro que lhe é vagamente familiar, sua maior preocupação era sua TV.
Claro que há situações em que é mais importante caminhar com a história e você vai ter que contar ao invés de mostrar, mas é sempre importante ter em mente o que você está fazendo. É importante ter claro para si mesmo em qual tipo de narrativa você está escrevendo em dado ponto para ter certeza que essa é sua intenção.
É isso aí: Mostre, não conte!
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