“Ah, mas isso nem livro é, é só um quadrinho! Não conta como literatura, literatura de verdade!”
Essa foi a frase que escutei quando li pela primeira vez V de Vingança, e eu nunca me esqueci porque marcou muito o tom da minha leitura. Isso foi antes do filme, e eu li em inglês, pois foi o exemplar que consegui na época. É engraçado porque, por mais que eu tentasse concordar com a opinião de que era só um quadrinho, a história continuava me forçando a ver que era algo mais.
Como eu disse no Especial da Independência do Brasil, a história é contada pelos pontos de vista de Evey, uma jovem com dificuldades financeiras, e V, uma figura mascarada que enfrenta o governo. Desde o começo fica clara a opressão do governo para com o povo, pois Evey conhece V quando este a salva da polícia secreta do estado.
Essa é uma cena legal: Evey, com problemas para pagar as contas, decide se prostituir. Logo em sua primeira noite, é encontrada pela polícia secreta, que usa a lógica de “já que você não respeitou o toque de recolher, merece ser castigada”. O castigo, nesse caso, sendo estupro e morte.
Só que, nesse momento, V, o mascarado, aparece e elimina os agressores. Eles se apresentam, e ele faz um pedido inusitado:
“Deseja ver os fogos de artifício?”
E, usando detonadores remotos, ele explode a Casa do Parlamento inglês.
Essa sequência de fatos deixa o tom da obra bem claro. A população sofre e o governo é autoritário. V enfrenta o governo, mas não é propriamente um herói.
De alguns pontos de vista, algumas de suas ações podem ser vistas como terrorismo.
Os desdobramentos da história mostram de onde surgiu V e suas motivações para derrubar o governo. Mesmo seus primeiros alvos mostram uma motivação não só ideológica como também pessoal.
V era prisioneiro em um campo de concentração criado pelo partido que está no poder. Sofreu experiências em seu corpo, e sua fisionomia, embora nunca seja mostrada, dá indícios de que ele foi deformado pelos processos que lhe foram impostos no campo.
Após arquitetar e executar sua fuga, V parte para a cruzada contra o governo corrupto e ditatorial. Enfrenta as mídias dominadas e transmite para toda a população seu plano de mudanças. Conclama os cidadãos e não os exime da culpa pelo estado das coisas. Mas promete que há futuro, contanto que todos se conscientizem do problema e reajam para combater o regime.
A obra foi meu primeiro contato “não acadêmico” com as visões políticas do Fascismo e Anarquismo.
Alan Moore não foge dos termos, e categoriza o governo de sua obra como fascista. A crença em um líder autoritário, um partido focado em eliminar minorias e no apoio religioso (o slogan é “Força através da pureza, pureza através da fé”). Militarismo exacerbado, eliminação de oponentes e estabilidade civil através de força e intimidação.
V representa o anarquismo. Liberdade individual ao extremo. Repúdio de figuras de autoridade. A crença que qualquer forma de governo é uma afronta ao direito humano de liberdade.
Como sempre, a realidade tem mais nuances do que uma lógica binária. Mas no embate entre duas visões antagônicas, é possível aprender um pouco sobre ambas. É possível aprofundar o conhecimento e buscar outras alternativas. É possível pensar.
Enquanto ainda não é proibido.
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