Assim que eu terminei de ler A Estrada, eu já emendei O Conto da Aia, de Margaret Atwood. Se por um lado eu li duas obras-primas em sequência, não é de se espantar que meu carnaval tenha sido melancólico.
Após um conflito interno, os Estados Unidos deixam de existir como uma democracia e se transformam na República de Gilead, teocrática e fundamentalista cristã. Os versículos da bíblia (escolhidos pelo governo, claro) decidem a vida das pessoas. Devido a radiação, resultante de complicações do conflito, a maior parte das pessoas se tornam inférteis.
Pela reestruturação social ser fortemente influenciada pela bíblia, a sociedade relega a mulher apenas aos papéis secundários, as separando em castas baseadas em suas obrigações cotidianas. Além disso, como a sociedade é infértil, todas as mulheres que tem a possibilidade de terem filhos se tornam apenas reprodutoras. São assim obrigadas a manterem relações sexuais com homens importantes, chamados Comandantes.
Essa casta (de mulheres férteis) recebe o nome de Aia, daí o título do livro. Acompanhamos o dia a dia de Offred, uma Aia obrigada a ter relações sexuais com seu Comandante, na expectativa de engravidar e “cumprir seu papel” enquanto é oprimida pela Esposa oficial da casa, maltratada pelas criadas e ignorada pelo mundo. Seu próprio nome é estirpado. Ela é chamada de “Offred” por “pertencer” a Fred (suposto nome do Comandante): “Off Fred”, “De Fred”.
Offred não tem nenhum dizer sobre como é sua vida, ou quais as suas vontades. Ela é obrigada a viver em uma casa onde não é bem vinda, caminhar ao lado de pessoas que ela não conhece ou gosta, é proibida de ler ou mesmo ter acesso a livros. Num último golpe de violência moral, a forçada obrigação de engravidar precisa também se torna seu objetivo pessoal, pois uma Aia que não engravida é enviada para as Colonias, um destino que ela sabe ser mais terrível do que a realidade que a permeia.
Os capítulos são entrelaçados entre como é a vida atual de Offred e como era sua vida no “tempo de antes”. A melancolia de saber como era antes, tendo um marido e uma filha, um emprego e uma mãe, e agora ser uma propriedade sem autonomia é um dos pontos mais assustadores da obra. Offred conta como foi a mudança de um governo para o outro, e de uma sociedade para a outra, e a perda, as vezes gradual, às vezes abrupta de seus direitos como ser humano.
Ao mesmo tempo que a autora nos distancia do mundo de hoje, criando uma realidade onde toda a liberdade da mulher é removida ao extremo, é possível ver alguns paralelos com o mundo de hoje e isso é o que mais assusta. Comparando com sociedades teocráticas, como a Arábia Saudita, as diferenças ficam mais tênues ainda.
Um livro sensacional e necessário. 5 de 5.
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