Fred chegou no dia seguinte ao trabalho como em todos os demais. A não ser por seus pensamentos correndo a mil, procurando olhos acusadores, a empresa estava como sempre esteve. Carros chegando e partindo, pessoas apressadas indo para salas e para fora, tudo na mais perfeita correria natural.
Fez um desvio do caminho normal que sempre seguia e foi ao banheiro. Esperou ali dentro por três minutos e saiu, seguindo a direção contrária a sua sala. Foi passando pelas alas da empresa, em busca do Corredor Três, sala sete.
Onde ele sabia que Alfredo estava sendo tratado.
Caminhou sem pressa e sem olhar para as câmeras. Evitou olhares, mas quando era observado, cumprimentava de volta com gentileza.
Fred não tinha uma clara noção do porquê estava seguindo o caminho que estava seguindo, nem o que esperava no final, mas o fez mesmo assim.
O número sete estava pintado em verde na porta aberta. O analista diminuiu o passo, mas não chegou propriamente a parar. Esticou o pescoço e se esqueceu por completo que precisava disfarçar.
Alfredo Gomes estava numa cama, rodeado de equipamentos e tubos, garantindo sua alimentação, respiração e estado de consciência suspensa. Apenas uma parte de seu rosto estava visível em meio a todo o aparato tecnológico, e uma enfermeira cuidava de alguma tarefa rotineira. Além das duas pessoas, o quarto estava vazio, algo incomum em uma sala de recuperação.
Fred apertou o passo quando a enfermeira olhou para ele, e logo se viu indo para sua sala de trabalho. Não conseguia evitar o sorriso ao pensar que, devido a sua atitude, o escritor estava vivo. Depois da saída de Alfredo da operação, ele retornara a placa verde para seu lugar, pois não queria receber uma reprimenda, além das já planejadas pelos óbitos da tarde anterior.
O trabalho ocupou sua mente, enquanto ele observava os pacientes entrando e saindo, e a máquina permanecendo em pleno funcionamento. Nenhuma Decisão Crítica precisou ser tomada, portanto a manhã foi um poço de marasmo que Fred aproveitou para relembrar o salvamento do dia anterior.
Estava almoçando quando viu Marcos se aproximando, com cara de poucos amigos. O chefe se sentou a mesa, e após os cumprimentos rápidos, perguntou.
“Você quer me contar algo sobre ontem?”
A pergunta era óbvia, bem como a impossibilidade de esconder o ocorrido. Haviam registros e fatos que precisavam ser encarados.
Mas ele não precisava assumir culpa antes de saber a acusação.
“Sim” respondeu Fred “Consegui salvar uma vida mesmo depois do ponto de não retorno”.
Marcos olhou bem para o rosto do analista e esperou alguns segundos antes de responder.
“E como você fez isso?”
“Eu achei que o paciente tinha uma chance” ele respondeu “Removi a placa de comunicação com o sistema central do cálculo e permiti que a máquina pudesse continuar atuando”.
Marcos coçou os olhos.
“Isso é contra o regulamento, Fred”.
O analista permaneceu em silêncio. Ele sabia o preço que se pagava por uma quebra de protocolo.
“Por que você decidiu nesse paciente?” disse Marcos “A porcentagem era alta?”
“Eu achei que o ferimento não era tão grave” Fred respondeu “Mas não deveria ser positivo? Digo, a vida foi salva, esse era o objetivo”.
“Sim Fred, mas os protocolos existem por um motivo” o chefe parecia muito cansado.
“Será que o cálculo do ponto de não retorno está errado? O paciente passou dele, mas continuou vivo. Talvez tenhamos que conversar com os fornecedores…”
“Deixe que eu cuido disso” cortou Marcos “Você sabe que isso vai abrir um Procedimento Interno. Pessoas irão te perguntar coisas e quero que responda com sinceridade. Não há nada que posso fazer além disso”.
E, dizendo isso, o chefe se ergueu e foi embora. Fred ficou pensativo, sem saber exatamente o que poderia acontecer dali para a frente. Terminou o almoço sem pressa e saiu andando, novamente seguindo por um caminho que não levava diretamente a sua sala de trabalho.
Olhou dentro da sala sete e viu uma médica e um enfermeiro realizando algum tipo de exame em Alfredo. O escritor permanecia desacordado e cercado de pesados equipamentos auxiliares.
Fred chegou em sua sala cansado e triste. Ele esperava que Alfredo ficasse bom logo, mas o trauma da operação ainda era recente e o corpo do homem fora levado a seu limite. O analista ainda não entendia como havia sobrevivido. Ele passou a mão pela cabeça tentando conceber o erro do cálculo. Quantos outros pacientes a máquina havia desistido de tentar quando recebeu o cálculo final?
“A criança de ontem também” ele pensou “a máquina poderia ter continuado. Talvez…”
Após algumas horas sem atividade, a mensagem por fim chegou:
“Favor ir para a Sala de Reunião Doze, amanhã assim que chegar”
CONTINUA
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