A Decisão de Fred – Parte 1

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“Paciente 458 entrando” avisou a voz metálica pelo alto falante, logo atrás da cadeira de Fred.

O analista observou em sua tela enquanto uma enfermeira magra e alta, com batom escuro e aquela velocidade calma única de profissionais de saúde, trazia a maca para dentro da sala de cirurgia emergencial. O paciente, um homem com seus quarenta ou cinquenta anos, desacordado, foi levado até o centro do recinto. Fred pôde notar que o ferimento em seu pescoço vazava sangue, apesar da bandagem enorme que cobria o corte.

 

“Acidente com faca” dizia o prontuário, e como não havia tomada de decisão, Fred apenas confirmou que os instrumentos estavam preparados e em perfeita ordem. Quando terminou sua verificação habitual, apertou o botão iniciar na tela que ficava logo a sua frente, e aproveitou o momento para se espreguiçar, esticando as mãos para cima.

O enorme maquinário que ficava em cima da sala de operações desceu em velocidade terrível e parou a poucos centímetros do paciente. Quatro instrumentos se aproximaram do ferimento, duas pinça de precisão, uma seringa de ponta grossa e o grampeador. Para olhos destreinados, tudo teria acontecido rápido demais, mas Fred era o responsável pelo funcionamento, e conseguia entender o baile do equipamento.

A primeira pinça removeu a gaze, e antes que o sangue pudesse espirrar para fora (pois era claro que a artéria fora cortada), a seringa injetou a massa orgânica dentro do ferimento, estancando o sangramento. Assim que esta se afastou, a outra pinça manteve os lábios da ferida juntos, e o grampeador selou com pontos grosseiros o que teria levado o paciente a óbito nos próximos minutos.

Foi o tempo dos braços de Fred terminarem de se espreguiçar, então a máquina subiu novamente ao teto da sala. O analista apertou o botão que sinalizava a finalização do procedimento, e a enfermeira entrou novamente para remover o paciente. Ele ainda receberia tratamento e cuidados específicos, mas o risco imediato havia sido sanado.

Fred se virou para sua outra tela e, como sempre fazia, solicitou o Cálculo de Valor Integrado do paciente que acabara de salvar a vida.

“Nada mal, 837 de Valor Integrado! Será que acabamos de salvar um programador?” procurou no prontuário o nome do paciente e não reconheceu. A profissão dizia “Gestor Empresarial”, mas Fred também não era muito ligado no assunto para saber se era alguém famoso ou não.

O dia continuou calmo, sem nenhum caso de Decisão Crítica, e Fred apenas garantiu que as máquinas estavam em perfeita ordem para a execução das operações. Atrasou um pouco o almoço, mais por preguiça do que por necessidade, mas acabou se dirigindo ao refeitório no começo da tarde.

Engoliu rápido a comida pois tinha outros planos para a hora do almoço. Sacou seu livro de bolso e começou a devorar as páginas. De acordo com seus cálculos, almoçou em menos de quinze minutos, o que lhe dava quarenta e cinco de leitura para descobrir como Paran convenceria o povo Marja para lutar a seu lado na Grande Guerra.

“Fred?” veio a voz conhecida de Lara “Ei, Fred! Que bom te ver!” e ela se aproximou e sentou em sua frente.

Ele abaixou o livro com um sorriso cordial, embora estivesse incomodado por ter sido interrompido. Trocaram amenidades enquanto a colega de trabalho almoçava as feias almôndegas do refeitório.

“Enfim, como está o dia?” ela perguntou, mudando o rumo da prosa.

“Tranquilo, sem muita correria. E o seu?”

“Tive uma Decisão Crítica” ela respondeu “mas no final deu tudo certo. Os dois sobreviveram a emergência”.

“Sempre melhor assim” ele respondeu olhando para o sol ao longe.

“Quando vão integrar os sistemas? Acho péssimo termos que tomar a decisão”.

“Falaram que ano que vem já estará tudo automatizado” ele respondeu, ainda sem olhar para Lara.

“Finalmente! Mal posso esperar” ela viu então o ‘O Prelúdio da Guerra’ nas mãos de Fred “Ainda lendo essas coisas? Posso te indicar livros melhores!”.

“Ainda” ele sorriu em resposta “Gosto dos livros do Alfredo Gomes. Ele está para lançar a continuação desse” e agora sua voz ganhou calor “‘A Guerra Total’, quinto e último da série. Preciso terminar esse logo, mês que vem já sai o próximo”.

Lara riu da animação dele, mas ele não levou a mal. Gostava da colega de trabalho e de seu jeito brincalhão.

“Tive um 837 hoje” ele disse, puxando a conversa.
“Uau! Astro de cinema?” ela perguntou.

“Não, algum tipo de empresário”

“Ah, normal. Eles sempre tem um cálculo alto. Geração de Emprego e Crescimento Econômico são os maiores pesos no Cálculo do Valor Integrado”.

Ele concordou com a cabeça.

Terminou que não conseguiu adiantar a leitura. Voltou para sua mesa meio aborrecido pela interrupção, mas feliz pelo papo. Os próximos três pacientes após o almoço não tiveram um Valor Integrado muito alto, apenas passaram pela sala de cirurgia e foram para os respectivos tratamentos.

Foi quando soou o alarme.

CONTINUA

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