Uma das coisas mais legais de ler uma obra escrita e publicada recentemente é o resgate de temas importantes em um cenário bem familiar. Quando o tema é “solidão na multidão”, que se passa na cidade onde eu moro e com bairros conhecidos, a história parece ter sido construída exatamente para mim.
Foi o caso em O Homem Vazio, de Thiago Lee.
O livro narra os acontecimentos na vida de Otto, onde só o fato de existir já é uma batalha. Tem um trabalho desumanizante, mora na periferia e tem difícil acesso aos locais “bacanas” da cidade. Uma mãe doente e, devido a crises familiares, não tem contato com a irmã. Tenta fazer algum sucesso expondo suas ideias em um canal de Youtube, mas tem dificuldade em conseguir alguma tração. Mesmo quando sai para curtir a noite, Otto tem os segundos contados para poder pegar o metrô de volta.
Tudo isso enquanto a cidade passa por uma onda de desaparecimentos sem precedentes.
A vida de Otto toma outro rumo quando ele encontra um sósia seu na rua, o Otto de uma “São Paulo do lado de lá”. Seu sósia explica que é essa tal “cidade do lado de lá” para onde vão as pessoas desaparecidas, após serem esquecidas por todos e terem os laços que as prendem a realidade soltos. E Otto começa a perceber que algumas pessoas estão esquecendo quem ele é…
É difícil explicar para quem não conhece a cidade o que é morar em São Paulo. Eu percebo a gritante diferença quando vou para a casa dos meus pais em Mogi das Cruzes, a meros 60 km daqui.
Estou em São Paulo a mais de dez anos, e quando vou para Mogi, eu ainda sei quem são os vizinhos. Aqui eu não sei se tem alguém morando no apartamento do lado. Quando saia em Mogi, normalmente ia para algum bar perto de uma praça, com jovens curtindo juntos. Em São Paulo, é em um bar fechado com comanda individua. Quando muito, na casa de alguém.
É como se, pelo fato de termos milhões de pessoas à nossa volta, sintamos a necessidade de nos fechar em ilhas bem isoladas. Como se os laços em meio a tanta gente precisem ser mais definidos, mais fortes. E, quando tais laços se rompem, por mais que sejam situações da vida (viagem, mudança para outros ares, novos empregos), a dor é muito grande.
E isso é quando temos a felicidade de ter os laços em primeiro lugar. No caso de Otto, tais laços são quase inexistentes. E quando ele começa a ter algum sucesso na internet, parece que os poucos reais que tem ficam mais fragilizados pelo enorme compartilhamento.
Eu sei que acabei falando mais da minha experiência do que do livro em si, mas foi isso que “O Homem Vazio” fez comigo: repensar e rever a minha vida em São Paulo.
É uma obra linda. Thiago Lee cria elementos fantásticos para dar rosto a solidão e a realidade da selva de pedra. Por mais livros que usem elementos fantásticos para dar mais realismo a própria realidade.
Nota 4 de 5.
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