Miniconto – Reescrita

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“Isso aqui está horrível, Santos” e ele chacoalhou os papéis no rosto do subalterno “Horrível! Isso aqui não diz nada com nada! Nada!”

Santos olhou para Mouro se forçando a manter a vista neutra. Não era boa ideia olhar atravessado para o chefe.

“Olha isso aqui” e Mouro releu alguns trechos “Como você quer que eu aprove? Me fala”

“Eu tentei manter o mais fiel possível. Qual parte você acha que devo mudar?”

O chefe releu o documento e perdeu um pouco da expressão agressiva que adquirira nos últimos momentos. Leu, releu e leu mais uma vez antes de tirar os óculos, sentar na cadeira e encarar Santos.

“Tudo” respondeu Mouro, mantendo o olhar.

“Tudo?”

“Tudo” e ele voltou a olhar o texto, mas não leu “O problema…” então parou de falar enquanto construía a frase na cabeça.

Santos ficou em silêncio esperando a continuação, ansioso por entender o problema. Era importante parecer ansioso.

“O problema, Santos” ele voltou, com voz conciliadora “é que você só está traduzindo. Eu sei que o cargo é ‘tradutor’, mas precisamos adaptar para o povo daqui”.

“Você quer dizer que devemos mudar a obra?”

Um silêncio antes de Mouro responder.

“Mudar? Não. Adaptar. O nosso público é diferente do que o escritor tinha em mente”.

Santos se mexeu na cadeira, desconfortável.

“Você pode me dar um exemplo?”

A voz de Mouro era quase mecânica. Ele sabia perfeitamente o que deveria ser mudado.

“No parágrafo dois você usou a palavra ‘oprimiu’. Eu traduziria como ‘agiu com vigor’. Parágrafo sete você usou ‘agentes civis’, eu teria usado ‘terroristas’. Parágrafo doze você usou ‘golpe’. O trecho original tinha a intenção clara de falar ‘movimento contrário’”.

Santos engoliu em seco e, segurando o tom de voz, respondeu.

“Mas se eram essas as palavras que o autor original queria usar, por que não usou?”

“Você é jovem, Santos” respondeu Mouro “Como eu falei, cada público tem uma voz. Uma visão. Foco. O ideal é falarmos diretamente com o nosso leitor e trazer para ele a verdade”.

“Mas, senhor” e a voz de Santos saiu mais súplica do que ele queria “Mudar as palavras assim não seria… ofuscar a verdade?”

Mouro coçou os olhos cansados.

“Santos, eu não quero lhe dar a sua segunda advertência” veio enfim a ameaça “A primeira já foi por Teimosia e Falta de Intenção de Aprender, se a segunda for pelo mesmo motivo, sabe o que vai acontecer”.

A espinha de Santos arrepiou.

“Entendo, senhor” respondeu “Além dessas palavras, tem algo mais que não o agrada?”.

“Como eu disse, Santos, tudo” ele tinha um tom feliz na voz agora “O clima está muito… bélico. Troque as palavras que eu disse, mas mude o tom do texto também. Tenho certeza que você vai saber fazer”.

“Claro, senhor” e Santos se ergueu e pegou o documento que Mouro lhe devolvia.

O título que saltava lia “Tradução oficial de ‘La Mort de la Démocratie Brésilienne’”

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