Bolsonaro foi eleito como presidente do Brasil nas eleições do dia 28 de outubro, com aproximadamente 55% dos votos válidos. A extrema polaridade dessa eleição, e os discursos inflamados dos dois lados afastaram o diálogo e geraram uma alienação real as propostas dos dois candidatos. Entre fake news de que o PT desejaria implantar uma ditadura comunista no Brasil, passando pela análise de que o atentado a Bolsonaro foi só uma fraude, sobraram gritos e faltaram argumentos.
Surfando nessa onda de distanciamento, devido a minha declarada posição pró-Haddad, algumas pessoas amigas, eleitoras de Bolsonaro, vieram depois da eleição perguntar se eu aceitaria a derrota e confiaria no novo governo.
O famoso “Agora é torcer para dar certo”.
Claro que aceito a derrota, afinal, como disse no outro post, o vital nessa eleição, polarizada e agressiva, foi a manutenção dos processos e protocolos democráticos. A vitória indiscutível nas urnas, os discursos de vitória de Bolsonaro e de derrota de Haddad, todos atestam para a continuidade das regras.
Além disso é claro que eu torço para o país sair do déficit fiscal que se encontra, e é óbvio que torço pelo fim da crise econômica e política que trazem tanta insegurança para o ambiente. Me indigno com o nível de corrupção que temos, e torço para que possamos continuar investigando e punindo os culpados. Acho terrível e desumano a forma como tratamos grupos minorizados e torço para que reparemos essas injustiças. Me assombro com os níveis de violência e morte, principalmente nas áreas mais pobres, e torço por maior segurança.
É claro que eu “torço para dar certo”
O problema é que vejo o plano de governo do presidente eleito em todos esses pontos indo em direção oposta ao que considero como prováveis caminhos de solução ou melhora. Pelo contrário, vejo retrocesso. Por isso votei contra ele e, agora, me coloco na oposição ao plano de governo, explicando aqui algumas das pautas.
<figcaption id="caption-attachment-399" class="wp-caption-text">Evolução do desemprego. Clique para ver grande. Fonte</figcaption></figure>
Com o índice de desemprego batendo na casa dos 12%, aproximadamente doze milhões de pessoas, é necessário ter um plano claro para retomar a criação de emprego e capacitação das pessoas para assumir cargos avançados. Também é importante ressaltar que, embora a taxa de emprego esteja em leve queda, muito dessa melhora se deve ao movimento em direção a funções informais.
O presidente eleito ataca esse problema de duas formas: uma reforma das leis trabalhistas e a criação de uma carteira de trabalho verde e amarela não regida pela CLT.
Em relação a reforma das leis trabalhistas, Bolsonaro defende a tese de que “Ou têm menos direitos e mais empregos, ou tem todos os direitos e desemprego”, favorecendo uma política de diminuição das conquistas trabalhistas históricas. Vale lembrar a fala de seu vice, General Mourão, sobre décimo terceiro e férias. Embora o conceito pareça lógico a afirmação é debatível, inclusive sendo refutada por artigos que analisam o problema no mundo real em diversos países. Uma métrica muito mais aceita é o aquecimento e momento da economia em questão. Outra coisa a se ter em mente é: quem se beneficiaria em uma diminuição de direitos trabalhistas? Quais os interesses envolvidos nessas leis?
Na mesma linha da reforma trabalhista proposta por Bolsonaro, vem a ideia de uma carteira de trabalho verde e amarela, não regida pela CLT, numa clara tentativa de driblar a legislação vigente, caso uma reforma mais ampla não seja aceita. A ideia básica é que, não sendo regida pela CLT, o funcionário tenha a possibilidade de negociar seus direitos e deveres diretamente com o seu possível patrão. Mesmo numa análise otimista, e levando em conta que serão “respeitados os direitos constitucionalmente resguardados”, alguns poréns podem surgir. Por exemplo adicionais de periculosidade, insalubridade e noturno estariam em negociação direta entre empregador e funcionário. Num país com alto índice de desemprego, fica óbvio para o lado que a balança da decisão pesará.
O principal sinal de Bolsonaro são as “arminhas nas mãos” então não é de se espantar que sua grande bandeira para segurança pública seja a flexibilização do estatuto do desarmamento, facilitando a aquisição do porte e posse de armas. Não há dados empíricos mostrando que a flexibilização na aquisição de armas torna uma sociedade mais segura. Quando a sociedade sofre de profunda desigualdade social as análises se tornam ainda mais favoráveis a um nível maior de restrição à posse e porte de armas.
<figcaption id="caption-attachment-402" class="wp-caption-text">Clique para ver grande. A linha vermelha é a taxa de homícidios e a verde é a projeção esperada caso não fosse aplicado o Estatudo do Desarmamento. Fonte</figcaption></figure>
Outro ponto do presidente é o endurecimento de penas. Bolsonaro ignora o problema da superlotação dos presídios, flertando inclusive com o fim da audiência de custódia, indo contra as definições recentes do STF. É importante ter em mente que a principal ideia do encarceramento é garantir a ressocialização do criminoso.
O ponto sobre a ressocialização não se baseia num argumento de bondade ou moralismo. O Brasil sofre com altos índices de reincidência, sendo que os crimes posteriores ao primeiro vão subindo em gravidade. A menos que a política pública se conscientize que o endurecimento das penas e encarceramento em massa não estão funcionando, o futuro é um país mais violento e com mais gastos no sistema carcerário.
No âmbito jurídico, Bolsonaro planeja ampliar o conceito do excludente de ilicitude para que policiais não sejam julgados criminalmente caso ocorram mortes em suas ações. Atualmente, caso um agente público mate alguém em serviço, abre-se um inquérito para investigar se havia perigo na situação, bem como a legitimidade do uso da força. Em termos simples, essa flexibilização seria dar carta branca para a Polícia Militar matar quem desejar. Exatamente como o próprio Bolsonaro já falou.
As saúde das contas públicas será uma das principais batalhas do presidente recém eleito. A recessão econômica e o déficit fiscal são problemas graves e reais que terão de ser atacados com o nível de seriedade que merecem. Fontes vêem como a pior crise econômica do Brasil.
Mas exatamente pela necessidade de atacar o problema real, é necessário ter em mente que, embora existam problemas profundos, a frase “O Brasil quebrou” é falsa.
Alguns dados corroboram com tal tese. Nossas reservas internacionais são um bom exemplo. Compare com a Argentina, que precisou de apoio do FMI. A inflação parece, apesar de algumas variâncias, controlada. O próprio gráfico do PIB mostra que, embora a recessão seja grave, a situação parece estar se controlando, em parte pelas medidas do governo Temer.
<figcaption id="caption-attachment-389" class="wp-caption-text">Clique para ver grande. A linha azul é o Brasil e a verde é o Canadá. Você sabia que o PIB brasileiro é maior que o canadense? Eu não.</figcaption></figure>
Essa pauta é um dos pilares de apoio popular a Bolsonaro. Tendo Paulo Guedes, um ultraliberal declarado como seu guia no quesito economia, a ideia de enxugar gastos e destravar os mecanismos econômicos parece boa. Os planos de Guedes, segundo o próprio, envolvem uma privatização em massa das estatais e mudar o modelo econômico social-democrata no país, isso ignorando sua fala recente sobre a despriorização do Mercosul no cenário de comércio internacional.
Referente às privatizações, o economista defende uma privatização de todas as estatais, mas seu discurso já foi rebatido pelo próprio Jair Bolsonaro, demonstrando existir divergência interna sobre o tema. As contas de Paulo Guedes acusam um lucro de um trilhão de reais com a venda dos ativos, mas contas mais conservadoras apontam para algo em torno de trezentos e cinquenta bilhões. Esse valor seria usado para abater do total da dívida pública.
Privatização não é necessariamente uma coisa ruim, pelo contrário, algumas indústrias foram ampliadas e melhoradas graças aos projetos de privatização. Mas o julgamento de que todas as empresas deveriam sair das mãos estatais é rigoroso e extremista, além de fazer o governo perder poder de atuação na vida do cidadão. Um exemplo: mantendo a Eletrobrás pública, é possível cobrir uma parte da conta de luz da camada mais pobre da população, em um período de aumento do preço da energia elétrica. Outro ponto importante de se lembrar é que os movimentos de privatização da Petrobrás começaram a ficar mais fortes após a descoberta do pré-sal. Negar o interesse externo de que o Brasil abra sua riqueza natural para exploração estrangeira é ingenuidade. Portanto é delicado não explicitar quais os reais planos e resultados esperados do ministro e do governo nesse campo.
As recentes críticas ao modelo social democrata são mais preocupantes, porque é uma frase muito ampla e que não havia sido ventilada antes. A grosso modo, as bases teóricas que explicam a existência de alguns serviços estatais (como o Sistema Único de Saúde) vem do conceito de Social-Democracia. É a isso que Paulo Guedes se opõe? Isso não havia sido indicado no plano de governo, mas é um sério sinal de alerta, especialmente para a camada mais pobre da população.
Outro problema é o poder que está sendo entregue nas mãos do economista. Unificando o Ministério da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior, o novo “super” ministro tem amplos poderes para realizar as mudanças que entende, sem muito trâmite interno no executivo. Não duvido de suas credenciais, mas é importante lembrar que o mesmo não teve experiência em economia política. Outra ressalva é que essa fusão de pastas vai contrária a tendências mundiais.
Apesar de discordar de boa parte dos outros pontos, no âmbito social a discussão se distancia ainda mais. As propostas e discursos do presidente eleito caminham na direção do retrocesso dos ganhos sociais que tivemos nos últimos anos.
Em palestra, Bolsonaro já explicitou que Reservas Indígenas não terão nem um centímetro de terra demarcada. A política de demarcação para terra indígenas é necessária para evitar conflitos armados entre índios e fazendeiros, além de respeitar resolução da própria ONU em defesa do direito dos povos nativos. Na mesma palestra, mediu pessoas afro-descendentes usando arrobas e disse que “nem para procriação eles servem mais”.
Nas semanas antecedentes a eleição, Bolsonaro atacou o direitos civis, assinando um acordo se comprometendo a barrar casamento gay e direitos LGBT. Bolsonaro também mentiu em entrevistas ao expor livros que não estavam na cartilha Escola contra a Homofobia (que ele chama de “kit-gay” apesar de ter sido proibido de falar isso) e sobre a existência de um seminário infantil LGBT. Bolsonaro já disse inclusive que se visse dois homens se beijando na rua, iria agredi-los.
Bolsonaro também é famoso por falas de agressão a rivais. “Metralhar a petralhada”, “varrer do mapa os vermelhos” e “as minorias se adequam ou desaparecem” são frases de incitação a violência que não podem fazer parte do discurso de um presidenciável. A legitimação da violência como forma de combate contra grupos políticos rivais e minorias é uma de suas atitudes mais graves e que mais têm e terão impacto na sociedade brasileira, vide os ataques que já estão acontecendo antes mesmo de sua posse.
Quando Bolsonaro diz que “acabará com o ativismo no Brasil”, seus defensores levam a discussão para o MST e o MTST, que são movimentos polêmicos que já possuem índice de rejeição alto entre a população mais conservadora. Mas é importante lembrar que a maior parte das conquistas sociais vieram de ativismo. O voto das mulheres, por exemplo, veio da luta de ativistas por direitos iguais. Outro ponto importante é saber a definição de ativismo: os movimentos que apoiaram a candidatura de Bolsonaro também são ativistas. Ele também vota pelo fim destes?
<figcaption id="caption-attachment-400" class="wp-caption-text">Indices Educacionais, clique para ver grande. Fonte</figcaption></figure>
Melhorar a educação e ampliar o acesso ao ensino é uma das propostas que todos os candidatos carregavam como mantra para solucionar os problemas do Brasil a médio e longo prazo. Duas das principais propostas de Bolsonaro para atacar o problema envolvem ensino a distância para os níveis fundamental e médio (como já acontece no superior) e a revisão do currículo base.
A principal linha de argumentação para defender o ensino a distância é a diminuição dos gastos referentes a infraestrutura das escolas e desafios geográficos (como a distância entre a casa e a escola do aluno). Outra das motivações do candidato é “combater o marxismo”. Num momento social em que ainda estamos caminhando para levar todas as crianças para a escola, a proposta é um passo para trás. Especialistas concordam que o método pode deixar lacunas de aprendizado e convivência social. Um ponto relevante é a necessidade de ter um adulto em casa para supervisionar a criança, o que poderia afetar emprego e renda.
Outro detalhe sobre o tema é que o ministro da Economia, Paulo Guedes, possui investimentos em empresas que atuam no ramo de educação a distância. O possível conflito de interesse já foi levantado, mas o futuro ministro preferiu não responder sobre o problema.
Em entrevistas atuais, o general Aléssio Ribeiro Souto, assessor de Bolsonaro e provável membro da equipe responsável pelo ministério da educação, propõe uma revisão do currículo básico. Entre as pautas por ele levantadas estão a adição do criacionismo e revisão dos livros que não contassem “a verdade” sobre 1964, ano do Golpe Militar e instalação da Ditadura brasileira.
Um fato recente que vale a pena ser lembrado foi a ação da deputada Ana Caroline Campagnolo, do mesmo partido do presidente eleito, que pedia aos estudantes para filmarem professores fazendo “manifestações político-partidárias ou ideológicas”. A ação é anticonstitucional, pois cerceia a liberdade de ensino, além de existirem leis no estado de Santa Catarina (local do ocorrido) que proíbem o uso do celular em sala de aula. Além disso, a própria deputada já foi fotografada usando uma camiseta do presidente eleito enquanto dava aulas, explicitando que o problema não é o viés ideológico em si, mas o lado para o qual tal viés pende.
O provável maior ponto dos eleitores terem votado contra o PT foi o discurso de enfrentamento de Bolsonaro contra a corrupção. Busca de corruptos e endurecimento de leis que identifiquem e punam agentes governamentais corruptores e receptores foi uma das bandeiras mais levantadas pelo candidato eleito. O discurso do candidato é válido, dado o momento em que vários escândalos de corrupção surgem no país.
O problema é o distanciamento do discurso com as ações e o princípio de corpo governamental que Bolsonaro está desenhando. Vamos a alguns exemplos.
O presidente é responsável pela indicação do cargo de Procurador Geral da República. É a pessoa que irá chefiar o Ministério Público Federal, órgão que, entre outras atribuições, é responsável por denunciar políticos por corrupção. Embora haja uma votação interna entre os procuradores para decidir o próximo Procurador Geral, o presidente escolhe aceitar ou rejeitar a votação.
No governo FHC, o presidente rejeitou a votação e indicou Geraldo Brindeiro para o cargo, que ficou famoso por engavetar e arquivar praticamente dois terços dos inquéritos recebidos.
Lula foi o primeiro presidente a respeitar a eleição interna e não indicar o Procurador Geral por razões políticas, e um dos resultados foi a denúncia do Mensalão. Dilma seguiu a ideia, vide Rodrigo Janot, que foi indicado ao cargo em 2013 e depois, em 2015, com a Lava Jato já famosa e em execução, foi reconduzido ao cargo pela então presidente (recebendo, inclusive, pressão do PMDB para não o fazer).
Com esse histórico, fica óbvio que o respeito a eleição interna do Ministério Público Federal é um ponto favorável no combate e descobrimento da corrupção, mesmo assim, ainda durante a campanha presidencial, Bolsonaro avisou que não se compromete com a eleição interna.
Deputado Federal pelo DEM no Rio Grande do Sul, Bolsonaro já o havia anunciado como Ministro da Casa Civil ainda na campanha eleitoral. É um político com ideologia semelhante a de Bolsonaro, começando a aproximação em 2003, com ambos sendo contra o estatuto do desarmamento e se aprofundando mais em 2007, quando Lorenzoni virou o líder da bancada do PFL na câmara, recebendo o apoio de Bolsonaro.
Embora Lorenzoni tenha sido o relator do projeto “10 medidas contra corrupção”(que depois viraram quatro), o mesmo admitiu ter se corrompido ao receber Caixa 2 da JBS, no valor de cem mil reais.
Deputado Federal pelo DEM do Distrito Federal, é um nome que Bolsonaro convidou para o ministério no dia 25 de outubro, numa movimentação em busca do apoio do DEM, indo contra o que o presidente eleito havia afirmado não fazer, o “toma lá, dá cá” de cargos públicos. Após pressão nas redes, voltou atrás na decisão.
Alberto Fraga é condenado da justiça por cobrar propina em contratos de transporte no Distrito Federal, inclusive com áudio reclamando do valor baixo da propina.
O próprio Jair Bolsonaro não tem um histórico muito favorável de combate à corrupção. Mesmo nas inúmeras proposições por ele apresentadas nesses quase trinta anos de governo, não foram levantadas pautas para endurecimento contra a corrupção. Por outro lado, durante 11 anos, Bolsonaro foi filiado do PP, partido com maior número de envolvidos na Lava Jato, sendo que só saiu do partido para concorrer a presidência.
Embora não existam denúncias de corrupção contra o presidente eleito, o mesmo admitiu que seu partido recebeu Caixa 2 da JBS. E, mesmo que o ato não seja considerado corrupção, receber auxílio moradia governamental, mesmo possuindo imóvel na cidade em questão, mostra desrespeito com as contas públicas.
Existem várias outras propostas tão ou mais graves do que as que apresentei aqui, mas a ideia é argumentar contra alguns dos pontos mais usados como defesa do presidente eleito.
Não concordo em usar o momento econômico para justificar dilapidação de direitos trabalhistas. Não concordo com uma privatização geral de estatais. Não concordo com a hipocrisia de se eleger num discurso anticorrupção e antipolítica acenando para uma base moralista e, em alguns casos, flagrantemente corrupta. Não concordo que armar a população diminuirá os índices de violência. E acima de tudo, não concordo com a alienação e ataques a grupos minorizados.
Por isso eu torço para tudo dar certo. E é exatamente por torcer que tudo dê certo que torço para que o plano de governo de Bolsonaro não “dê certo”.
TAGS:
Ativismo Bolsonaro Compilado Corrupção Crítica Economia Governo Informação Jair Bolsonaro Paulo Guedes Poder PolíticaCaso queira comentar o post ou entrar em contato, manda um tweet ou um email