Salve pessoal, vamos para um texto atípico aqui no blog, um sobre política. Vejo muitas pessoas igualando Haddad e Bolsonaro nesse segundo turno e, querendo mudanças no direcionamento do país, pendendo o voto para o lado do atual deputado federal. Minha intenção não é fazer palanque eleitoral, mas jogar um pouco de luz nessa análise e tentar mostrar porque há, na minha opinião, uma falsa simetria na comparação entre os dois.
Bolsonaro começou efetivamente a vida pública em 1988, quando se elegeu vereador do Rio de Janeiro pelo extinto PDC. Depois, em 1990 ele se elegeu Deputado Federal e emendou seis mandatos seguidos, passando por PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e finalmente PSL, seu atual partido.
A principal crítica a seus seguidos mandatos é o pequeno número de projetos aprovados – dois – mas eu considero esse argumento frágil. As tarefas de um deputado federal não são apenas criar novos projetos, mas sim representar o interesse do eleitor nas diversas votações necessárias da Câmara. Dessa forma fica mais fácil mapear seu perfil ideológico e quem ele representa num geral.
PEC 241 – PEC do teto de gastos
PEC 300 – Reforma da Lei Trabalhista
Impeachment da presidente Dilma
PEC 33/2012 – Redução da Maioridade Penal
PEC 182/07 – Financiamento privado de campanhas para partidos políticos e candidatos
PL-4330/2004 – Emenda da terceirização
Haddad começou a carreira política em 2001, como chefe de gabinete da Secretaria de Finanças da cidade de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy. Em 2003, passou a integrar o Ministério do Planejamento e arquitetou a Lei de Parcerias Público-Privadas. No ano seguinte, migrou para o Ministério da Educação, onde desenvolveu o Programa Universidade para Todos. Além disso, instituiu o INDEB para medir a qualidade do ensino fundamental e médio e, através de manobras sobre os fundos orçamentários, aumentou o investimento público em educação de 3.9% para 5.1% do PIB.
Em 2012 foi eleito prefeito de São Paulo, com uma campanha focada em mobilidade urbana, principalmente de faixas de ônibus, ciclovias e ciclofaixas. Fortaleceu o combate a corrupção, criando a Controladoria Geral do Município de São Paulo, cujos resultados ficaram claros ainda em 2013, quando foi desbancada a Máfia do ISS.
Tentou a reeleição em 2016, mas foi derrotado ainda no primeiro turno por João Dória.
Se a discussão fosse apenas ideológica ou sobre o melhor plano de governo, poderíamos apontar os pontos principais de cada um e comparar. Mas como os gráficos de rejeição apontam, existe um claro movimento antipetista e, do outro lado, um claro repúdio a figura de Jair Bolsonaro. É nesse ponto que eu vejo os problemas e pontos principais divergindo numa falsa simetria.
O Partido dos Trabalhadores sempre foi alvo de visões apaixonadas, que faziam seus candidatos terem uma faixa clara de votos a favor, com eleitores que não necessariamente concordavam com um dado candidato, bem como um nível de rejeição, sem necessariamente existir um motivo para tal. Essa polarização, inclusive, foi fomentada pelos próprios líderes do partido, o que gerou parte do sentimento de “nós contra eles”.
Importante lembrar que essa polarização é, até certo ponto, natural, especialmente em partidos com ideologia clara. Embora eu não veja o PT mais com essa característica, as raízes dessa crença já estão profundas.
Também não é fácil precisar um único ponto de aprofundamento dessa distância, mas eu vejo as Marchas de 2013 como um marco importante na vida do PT no poder. Dilma tinha alta aprovação popular e caminhava a passos largos para uma fácil reeleição, e o partido tinha prefeitos em várias cidades importantes. Quando o povo foi às ruas com todas as reclamações guardadas, o sentimento de revolta teve um alvo óbvio. Costumo considerar esse momento o começo do Antipetismo “oficial”.
<figcaption id="caption-attachment-340" class="wp-caption-text">O gráfico é do Datafolha. Caso você não confie, outras fontes mostram variações muito similares. Clique para ver grande</figcaption></figure>
Depois disso, o próprio PT começou a ter posturas mais brandas em tópicos onde era outrora mais firme. As eleições de 2014 racharam o eleitorado e foram as mais acirradas em todo nosso período democrático. Dilma conseguiu se reeleger prometendo alianças e benefícios para todos que lhe oferecessem alguma parcela do eleitorado.
Com a popularidade em queda, e diversos membros do partido sendo acusados em esquemas de corrupção, o apoio da presidente foi minguando. Somando-se a isso, Dilma tentou agradar partidos mais centrais e fechar o rombo das contas públicas, minando ainda mais sua base aliada e fazendo o PMDB, maior força no congresso e senado, se afastar da presidente. Tendo maioria de governadores, maioria na câmara, presidência do senado, presidência da câmara, o vice Michel Temer, e Dilma cada vez mais frágil, o impeachment era quase previsível.
Existem muitos fatores que colaboraram para a crise política e econômica que o país passa, mas o julgamento dos eleitores é que o único culpado é o PT, fazendo o Antipetismo crescer ainda mais, e tentando simplificar um problema muito maior e mais complexo.
Embora não tenha tido uma participação altamente relevante na Câmara dos Deputados, Bolsonaro sempre foi uma figura controversa.
Tendo pouco tato na linguajar e na maneira de expor suas ideias, atraiu para si um eleitorado que gosta de suas falas diretas e agressivas, e de sua postura firme. E é nesse ponto que é difícil manter a imparcialidade, porque suas falas agressivas tem alvos e sua postura firme é, via de regra, contra grupos minorizados.
Vou deixar algumas falas de Bolsonaro para que vocês tomem suas próprias conclusões.
Bolsonaro sobre governar para as maiorias
Bolsonaro sobre os privilégios dos políticos
Bolsonaro sobre filhos homossexuais
Bolsonaro sobre pessoas negras
Bolsonaro, após ter 48% dos votos, desacredita urnas eletrônicas e fala em acabar com o ativismo
Bolsonaro sobre dinheiro recebido da JBS
Bolsonaro sobre salário menor para mulheres
Bolsonaro sobre pessoas homossexuais
Bolsonaro, um capitão de reserva, sempre deixa claro seu profundo apoio às forças armadas, uma ideologia fechada de nacionalismo e envolvimento religioso (vide seu slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”) e agressividade contra grupos minorizados.
Como já disse na parte sobre o Antipetismo, o movimento contra o PT bate principalmente na tecla da corrupção e autoritarismo de seus líderes, principalmente Lula. E esses são bons argumentos. Porém é inegável o cumprimento do protocolo democrático nas condenações.
Lula foi preso quando foi condenado em segunda instância. Sua sentença, principalmente no quesito pressa no processo, é alvo de especulação, inclusive entre juristas. A minha intenção não é dizer se Lula é inocente ou culpado. É lembrar que ele foi preso.
Dilma foi alvo de um processo de impeachment. Juristas acusam o presidente da Câmara da época, Eduardo Cunha, de ter aceitado a denúncia sem base legal. O recurso das pedaladas fiscais foi usado por vários governadores e presidentes anteriores, e nunca o executor sofreu impeachment. Após o processo transcorrido, Dilma acatou a decisão do legislativo e Michel Temer assumiu.
O ponto que quero frisar, novamente, não é inocência ou culpa do caso, mas sim a adesão ao protocolo e processo democrático.
Nesse ponto a comparação fica clara.
Bolsonaro, mesmo sendo reeleito tantas vezes, e tendo seus filhos como alguns dos deputados mais bem votados do país, sempre acusa as urnas eletrônicas de fraude. Inclusive em seu primeiro pronunciamento após o resultado do primeiro turno. Antes do primeiro turno, a sua postura era a de não aceitar qualquer resultado diferente de sucesso em sua campanha. Buscando até um passado menos recente, dando entrevista em 99, se diz ser a favor de uma guerra civil e que o voto não mudaria nada no país. Podemos discorrer se ele ainda mantém essa postura, mas, novamente, fica claro o desrespeito pelo exercício da democracia.
Além disso, seu vice já deu entrevistas onde acha plausível um “auto-golpe”, num flerte claro com ditadura. Críticas a direitos trabalhistas e sociais também são comuns em suas falas e, embora o próprio Bolsonaro corrija e se diga contra as declarações, os fatos recentes mostram que também é necessário ter atenção ao vice de uma chapa presidencial.
Além disso há posições indefensáveis. Homenagear um torturador não é uma posição ideológica discutível. Ser favorável a ditadura não é questão aberta. Dizer que uma mulher é fruto de uma fraquejada é repugnante. Dizer que orientação sexual é falta de porrada é desumano. E o ponto principal é que, mesmo que ele diga isso “da boca pra fora” (o que eu não vejo ser o caso) como explicam seus eleitores, esse é um discurso de legitimação da violência. É a carta branca que uma pessoa preconceituosa precisa para proferir absurdos e agredir quem discorda.
Por não concordar com um candidato que não respeita o processo e as instituições democráticas, e pelo descaso com grupos minorizados, meu voto nesse segundo turno será de Fernando Haddad.
Óbvio que existem críticas sérias ao PT. As propostas de regulação da mídia, um tema polêmico mas cuja discussão acho válida, podem ser interpretadas como um passo em direção a censura. O clima de “nós contra eles”, altamente incentivado antes das coisas atingirem a tensão que tem hoje. A política econômica, que eu não concordo nem apoio, e uma volta ao apoio do PMDB, uma das chaves do desastre político dos últimos anos. Tudo isso atesta contra e, por esses e vários outros motivos, o PT não teve meu voto no primeiro turno.
Mas esse é o segundo turno, e a escolha é pela democracia.
Se você se sentiu agredido ou ofendido em algum ponto do texto, por favor, entre em contato comigo, seja facebook, twitter, email ou pessoalmente. Meu objetivo com o texto é aproximar a discussão, evitar o discurso de prejulgamento e construir uma ponte de diálogo.
abração!
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